Ficamos por aqui.
O material acabou-se.
Há já alguns meses que estava a ser esticado e feito render, como seguramente vêm reparando aqueles que por aqui têm passado. Desde a primeira história, em Dezembro de 2004, decorreu mais que um ano. Agora, acabaram-se-nos as historietas. Haverá muitas outras por contar. Não ficarão, seguramente, ignoradas porque muitos outros espaços, entretanto surgidos, as contarão.
A todos os que por aqui passaram, obrigado.
A todos os que referiram este espaço noutros blogs (em regra muito mais interessantes, aliás) obrigado também.
A última história, que vai de seguida, fica como homenagem à produtividade e à grande importância do trabalho do aparelho judiciário. É também homenagem, de reconhecimento, às grandes e significativas reformas que têm vindo a ser empreendidas no sector pelo Senhor Ministro da Justiça, líder do aparelho burocrático que inspirou este blog.
Tiro nos cornos…
Com a devida vénia, transcrevem-se a seguir extractos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII (2002), tomo 2, pagina 142 e seguintes.
O Ministério Público deduziu acusação pela prática de crime de ameaças porque “durante uma discussão, o arguido ameaçou o ofendido, dizendo que lhe dava um tiro nos cornos”. “Com tais palavras o visado sentiu intranquilidade pela sua integridade física”.
O Juiz (de julgamento) decidiu não receber a acusação “porque inexiste crime de ameaças (…) simplesmente pelo facto de o ofendido não ter «cornos», face a que se trata de um ser humano. Quando muito, as palavras poderiam integrar crime de injúrias, mas não foi deduzida acusação particular pela prática de tal crime”.
O Ministério Público recorreu da decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acolhido o seu recurso, dando-lhe razão, remetendo-se o processo para julgamento, entre outros, pelos motivos que de seguida se descrevem, em breves extractos.
“Como a decisão (recorrida) não desenvolve o seu raciocínio – talvez por o considerar óbvio -, não se percebe quais as objecções colocadas à integração do crime. Se é por o visado não ter cornos estar-se-ia então perante uma tentativa impossível? Parece-nos evidente que não.”
“Será porque por não ter cornos não tem de ter medo, já que não é possível ser atingido no que não se tem?”
“Num país de tradições tauromáquicas e de moral ditada por uma tradição ainda de cariz marialva, como é Portugal, não é pouco vulgar dirigir a alguém expressão que inclua a referida terminologia. Assim, quer atribuindo a alguém o facto de “ter cornos” ou de alguém “os andar a pôr a outrem” ou simplesmente de se “ser como” (…) tem significado conhecido e conotação desonrosa, especialmente se o seu detentor for de sexo masculino, face às regras de uma moral social vigente, ainda predominantemente machista”.
“Não se duvida que, por analogia, também se utiliza a expressão “dar um tiro nos cornos” ou outras idênticas, face ao corpo do visado, como “levar nos cornos”, referindo-se à cabeça, zona vital do corpo humano. Já relativamente à cara se tem preferido, em contexto idêntico, a expressão «focinho»”.
“Não há dúvida de que se preenche o crime de ameaças (…) uma vez que a atitude e palavras usadas são idóneas a provocar na pessoa do queixoso o receio de vir a ser atingido por um tiro mortal, posto que o local ameaçado era ponto vital”.