Onde se encontram histórias pouco sérias ocorridas (a sério!) nos tribunais. Este blog viveu, entre Dezembro de 2004 e Janeiro de 2006, das contribuições de quem o leu.

29.4.05

E assim se fazem as coisas…

Este, foi mais um caso em que o excesso de trabalho potenciou a incompetência e quem se lixou foi o mexilhão.

No Tribunal da Boa-Hora há muitos julgamentos. Todos os dias os juízes que ali trabalham têm que participar em julgamentos em tribunal colectivo e, quando presidem, têm que redigir os acórdãos. O trabalho é massificado e nem sempre o produto final é o melhor. Por vezes, é mesmo mau.
Foi o caso daqueles dois julgamentos que aconteceram um a seguir ao outro. Em ambos, os arguidos estavam acusados de terem partido janelas de automóveis, para furtarem os auto-rádios. A diferença entre os casos estava nos próprios arguidos: o primeiro deles tinha 18 anos e o cadastro criminal sem registos; o segundo, tinha 35 anos e várias condenações no seu passado, por furto e roubo.
Estas diferenças levaram o Ministério Público a pedir, para o primeiro, uma condenação simbólica, em pena de prisão suspensa, e para o segundo, condenação em pena efectiva de prisão, que deveria ser cumulada com as anteriores. O tribunal colectivo acabou por deliberar como era pedido pelo Ministério Público.
Porém, o juiz que presidia ao colectivo confundiu as suas anotações dos dois julgamentos e, na redacção dos acórdãos, trocou os nomes. Assim, embora concordasse com as penas pedidas pelo Ministério Público, trocou-as: ao jovem delinquente condenou em pesada pena de prisão e ao arguido com largo cadastro condenou em pena quase simbólica, cuja execução suspendeu.
No dia da leitura da decisão, o representante do Ministério Público, escandalizado, ainda recorreu. Os outros dois juízes do colectivo nem deram conta.

21.4.05

Neste país à beira mar plantado...

... o mar é tema para poetas.
Neste país à beira mar plantado, mesmo com a sabedoria de séculos de feitos marítimos, ainda não conseguimos lidar bem com as tragédias humanas no oceano.
Que o diga o cabo da guarda que um dia foi chamado a uma ocidental praia, onde apareceu o cadáver de um infeliz pescador, que se afogou.
Como escreveu no seu relatório, que a seguir se reproduz, quando viu o corpo, “para não ir com a água” teve que “o amarrar com uma pequena corda”.
E, imagina-se, ali ficou, ao sabor das ondas.

Posted by Hello

18.4.05

Era Natal, caramba!

O auto de interrogatório de que de seguida se reproduzem trechos revela uma pessoa das mais puras e sensíveis que se têm visto nos tribunais. O arguido era ladrão, mas pessoa honrada. Suspeito de vários furtos, foi capturado entre Trás-os-Montes e o Minho, próximo do Gerês.

“A respeito do veículo de marca VW Golf, com a matrícula espanhola WW-OOOO-U, foi furtado pelo declarante, no dia de Natal (…). A razão do furto deveu-se ao facto de querer vir para Portugal e não ter dinheiro (…).
Depois, em Portugal, verificou que o mesmo tinha falta de calços dos travões e foi quando se deslocou a Salto para os meter, mas como o mecânico não tinha, teve que os mandar vir de Braga. Como eles estavam a demorar, o declarante foi ao encontro da carreira da RN, às Cerdeirinhas e levantou a encomenda para a levar ao mecânico, mas como lhe apareceu a Brigada e foi preso, isso não foi possível.(…)

Pretendia abandonar este carro logo que deixasse de lhe fazer falta.
Mais declarou que furtou um rádio, de um carro de matrícula francesa, que foi por si montado no Golf, uma vez que este não tinha rádio.
Quanto ao livro de cheques e à carta de condução que lhe foram encontrados, estavam juntos, dentro de uma carteira e esta no bolso de um kispo que furtou de um outro carro. Também furtou outras peças de roupa. Não teve dificuldade em furtar estes objectos uma vez que o carro estava aberto.
Na mesma altura também furtou gasóleo do depósito de um tractor, para meter no carro com que andava, assim como furtou dois coelhos de uma casota, que depois comeu."

Posted by Hello

15.4.05

Caso para Monsieur Poirot

Transcreve-se a seguir um relatório de um departamento de polícia marítima, que gastou dois dias a investigar os tripulantes de um navio cujo comandante desapareceu na viagem de Antuérpia para Lisboa.

“Constatou-se que:
1 – O navio LLLLL largou de Antuérpia, Bélgica, em 13 de Fevereiro de XXXX cerca das 23:10, com destino a Lisboa, transportando contentores com carga geral, incluindo uma embarcação de pequeno porte e o respectivo capitão.
2 – Pelas 23.00 de 15 de Fevereiro o dito capitão tomou café na ponte/comando e, seguidamente abandonou o local.
3 - Cerca das 8:00, o 3º oficial, que ia entrar de serviço “à ponte”, com o capitão, ao verificar que este não comparecia, decidiu chamá-lo ao seu camarote, constatando-se então que o mesmo não se encontrava.
4 – Detectada a falta do comandante imediatamente se desencadearam buscas a todo o navio, as quais resultaram infrutíferas.
Conclusão: pelo que foi dito, não se conhecem elementos que eventualmente possam responsabilizar alguém em particular pelo desaparecimento do capitão do navio, desconhecendo-se as causas que levaram a tal desaparecimento. Por outro lado, o desaparecimento em foco verificou-se fora das águas nacionais a bordo de navio estrangeiro.

12.4.05

É de homem!

Do DIÁRIO DE NOTÍCIAS de hoje, transcreve-se com a devida vénia, a seguinte notícia:

"
Detido com álcool por duas vezes
Um jovem de 21 anos foi detido por duas vezes na mesma noite por conduzir um carro com excesso de álcool no sangue. O indivíduo foi interceptado pela PSP de Viseu na Rua Serpa Pinto, pela 1.45 de sábado. Tinha uma taxa de 1,72 gramas de álcool por litro de sangue e foi detido, identificado e depois libertado com notificação para ser presente a tribunal. No entanto, viria a ser novamente detido às 4.50 da mesma noite, com 1,35 gramas de álcool, incorrendo assim também no crime de desobediência
."

6.4.05

Lua-de-mel

As burlas de taxistas de aeroporto a turistas que chegam a Lisboa são recorrentes nos tribunais da capital. Esta história ocorreu nos Juízos Criminais de Lisboa. Recordou-a a juiz que julgou o processo.

Um taxista pouco escrupuloso tentou burlar dois noivos que regressavam de Cancún, vindos da sua lua-de-mel. Na viagem de regresso a casa, no banco de trás do automóvel, ainda estavam noutro hemisfério. Mesmo assim, o taxista teve pouca sorte, porque a recém casada trabalhava, como contabilista, para uma cooperativa de táxis e apercebeu-se de que a tarifa que lhes estava a ser cobrada era exagerada. O caso envolveu a polícia e acabou na sala de audiências. Muito tempo depois, claro, que a justiça é lenta. Normal.
Menos normal foi o tom dissonante dos depoimentos testemunhais dos dois noivos. Não foram rigorosos e não foram nada esclarecedores.
Como assim, perguntava a juiz? Não se lembram? Era a vossa lua-de-mel. Concerteza que se recordam daqueles dias!
Pois é; a vida moderna e a morosidade da justiça têm consequências destas: os noivos, entretanto, já estavam divorciados e tinham varrido das respectivas memórias as recordações que importavam para este caso.

1.4.05

Estes romanos são loucos…

Esta história, trazida por mão de advogado amigo, ocorreu num tribunal do sul do país.

Era uma vez… um juiz desleixado, que com a sua incúria prejudicava todos os funcionários do tribunal. Até que chegou ao tribunal uma escrivã nova, de sangue na guelra e pêlo na venta. Ao contrário da sua antecesssora, passou a não tolerar os disparates do juiz, a quem enfrentava, exigindo-lhe que cumprisse aquilo que tinha que cumprir.
O juiz, cheio de si, achou que deveria reagir. Passou a enviar-lhe bilhetinhos com insultos, agrafados aos despachos que ia escrevendo.
Um certo dia, mandou um bilhete que dizia “a funcionária F… é PIDE e ganha mais que eu”. A escrivã não aguentou mais: desagrafou o papelinho do despacho e anexou-o a uma queixa contra o juiz, que dirigiu ao Tribunal da Relação, por injúrias.
Na volta do correio, recebeu uma queixa do juiz, contra ela, por furto (do “documento”...). O Ministério Público na comarca aceitou esta tese e deduziu acusação, por furto. Depois de requerida a instrução, a funcionária veio a ser pronunciada. Agora já não por crime de furto, mas antes pelo crime de apropriação ilegítima de coisa achada (a coisa achada era o dito "documento"...).
O processo acabou por ficar por ali, porque veio uma amnistia.
E se não tivesse vindo?