Onde se encontram histórias pouco sérias ocorridas (a sério!) nos tribunais. Este blog viveu, entre Dezembro de 2004 e Janeiro de 2006, das contribuições de quem o leu.

23.7.05

O Barraquinha.

Esta história veio, por tradição oral, de uma antigo magistrado do Ministério Público e tem 40 anos. Vem de um tempo em que era tudo boa gente, mesmo os criminosos.

O Barraquinha era um pequeno burlão, que ia escapando das queixas como dos pingos da chuva. Vivia numa pequena comarca rural, do interior de Trás-os-Montes. Para comer, recorria exclusivamente ao engano de pequenos restaurantes. Entrava, sentava-se e comia. Terminava sempre com cognac e, havendo-o, pedia sempre um charuto. Depois, não pagava, nem tinha como o fazer.
A maior parte das vezes, era pateado, da forma como os donos dos restaurantes viam fazer nos westerns a preto e branco, em moda nos cinemas da época. Noutras vezes, era chamada a polícia, que já conhecia o Barraquinha de outros filmes do género. O Barraquinha não levava a mal, nem num caso nem noutro. No seu íntimo, previa uma das duas soluções.
Um dia, porém, ficou aborrecido. Ao chegarem os agentes policiais o dono do restaurante fez queixa por coisas que não comeu e que não bebeu. O Barraquinha era burlão, mas era honrado: este estalajadeiro era desonesto! Tinha que reagir!
Enquanto o agente tomava notas para o auto de ocorrência, o Barraquinha aproveitou a confiança e liberdade com que custodiavam a sua detenção e aproximou-se do balcão. Apanhou um boião de vidro, daqueles onde nas lojas tradicionais se põem rebuçados e abriu-o. Veio à porta do estabelecimento e atirou mãos cheias de rebuçados para fora, na direcção de miúdos da rua que por ali brincavam.
Depois, dirigindo-se ao guarda que o guardava, concluiu: já agora, pode também pôr isto no seu papel.

20.7.05

Condenada por estupro...

Quem faz este blog não tem tido tempo para ler jornais, embora gostasse de o fazer.
De seguida vai uma notícia remetida pela Sra. Dra. Daniela Lema Barros, que simpaticamente a fez chegar.
Da notícia, que dizer?
Na Noruega, como na vizinha Dinamarca, terra de Hamlet, que fica um pouco mais abaixo, a realidade é bem mais rica do que possa sonhar a nossa vã filosofia.

6.7.05

Deixe-se dormir sua Excelência...

Transcreve-se, de seguida, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 1988 (processo de recurso nº 22 477), publicado na Colectânea de Jurisprudência, de 1988, tomo v, página 233.

I - É susceptível de constituir o crime de ofensas corporais do artigo 142º, nº 1 do Código Penal, uma discussão em tom de voz audível a 100 metros de distância, em zona habitada, às 3 horas da madrugada, já que é adequada a provocar o brusco acordar de quem dorme, causando dificuldade em readormecer, com dores de cabeça, náuseas e depressão psíquica durante horas ou dias.
II - A nível indiciário, é de presumir que os agentes dessa discussão tenham previsto as referidas consequências como possível resultado da sua conduta, conformando-se com a sua realização, já que as mesmas constituem um dado da experiência geral.


(Ou seja: as duas pessoas que se envolveram numa discussão na rua, às três da manhã, com esta atitude cometeram um crime de ofensas à integridade física, na pessoa de um cidadão que estava a dormir por perto. Há quem afirme que o cidadão bruscamente acordado era um juiz, mas isso não está determinado nem interessa para o caso.)