Onde se encontram histórias pouco sérias ocorridas (a sério!) nos tribunais. Este blog viveu, entre Dezembro de 2004 e Janeiro de 2006, das contribuições de quem o leu.

31.1.05

No Funchal, Carnaval...

Esta história foi remetida pelo Senhor Doutor Miguel Jardim, da Madeira. O próprio ficou sem palavras, certo dia, no tribunal, quando foi notificado do teor da contestação numa acção de divórcio em que representava a autora.

O Doutor Miguel Jardim propôs uma acção de divórcio, representando uma infeliz mulher que alegava, entre outros, factos graves de violência doméstica. Alegou ainda adultério do réu marido, que receberia visitas femininas em casa do casal, quando a mulher estava ausente. Foi, inclusivamente, referida na petição uma senhora de cabelos loiros que teria sido vista a entrar na casa de morada de família.

Quando a contestação deu entrada no tribunal o Ilustre Advogado, por acaso, encontrava-se na secção de processos a tratar de outros assuntos. Estranhou as risotas dos funcionários, que passavam um processo entre eles. Quando o viram, diz-lhe um deles que o processo era seu. Como quis saber o que se passava, ficou logo a saber que o réu, na contestação, alegava - entre outras coisas - que era falso que enganasse a mulher e que recebesse visitas femininas em casa. Acrescentou que, se alguém viu alguma coisa era ele, réu, disfarçado de mulher, a sair de casa para uma festa de Carnaval. Como prova disso, juntou uma fotografia sua, com um vestido de chita curto e uma cabeleira loira daquelas que se compram num supermercado. Tudo combinava perfeitamente com as suas pernas arqueadas e extremamente peludas e o farto bigode que possuía.

Há que convir que até o mais arguto dos advogados evitaria fazer comentários a esta contestação …

28.1.05

Hip. hip. hics...

As histórias de bêbedos costumam ser engraçadas. Ou então dramáticas. Desde que passou a ser proibido conduzir sob o efeito de álcool, acumularam-se histórias destes dois tipos nos tribunais.

Quem escreve estas linhas presenciou, num julgamento sumário, a desculpa que o responsável por um acidente deu, por acusar uma taxa de alcoolemia superior à legal. Disse que ficou tão nervoso com o choque que, logo que chamou a polícia, entrou num café e pediu um bagaço, para acalmar. Terá sido por isso que acusou álcool no teste. Esqueceu-se de referir que, na altura, a polícia lhe perguntou se tinha bebido álcool no último quarto de hora, ao que respondeu que não.

O julgamento sumário que se seguiu a este foi o de um operário da construção civil que, às quatro da manhã de uma noite de fim-de-semana, não soprou no balão porque já não o conseguiu fazer. Retirado do interior do veículo que conduzia, não conseguiu manter-se em pé. Foi levado, com o seu carro, para o posto policial onde, sem dizer uma palavra, adormeceu nos bancos de madeira da entrada, até às sete horas, altura em que mudou o turno dos polícias. Os agentes entrados de fresco, dando conta dele, sem saberem o que se passava e julgando ser um sem abrigo, mandaram-no embora. Pouco depois, o azarado operário foi de novo detido, porque ao arrancar com o seu carro embateu violentamente contra os carros patrulha da esquadra. Aos agentes policiais de turno coube explicar porque deixaram conduzir um cidadão com uma taxa de álcool no sangue de 3,5.

No último sumário desta série foi julgado um cidadão que, no fim do julgamento, manifestava pretender processar os agentes da BT que o tinham detido, com excesso de álcool, porque os mesmos eram seus conhecidos (embora não simpatizassem com ele), sabiam que naquele dia decorria o baptizado de um seu sobrinho e tinham procurado aquela ocasião para o apanharem. Na sala não houve comentários.

25.1.05

História fantástica

Lida no Ciberjus.
Sobre um sofisticado arguido gourmet .

24.1.05

Não há direito...

Na era das garantias dos cidadãos, alguns deles chegam a espantar pela impertinência com que defendem os seus direitos – ou pretensos direitos. Esta é a história de um alfacinha que apresentou queixa por o seu automóvel ter sido rebocado por entidade competente.

“No dia YY de XXX de 2004, queixou-se F…., por no período compreendido entre as 9 horas e as 20 horas, na Praça Z…, o seu veículo ter sido rebocado pelos serviços da E…, constatando posteriormente que o mesmo se encontrava no parque daquela. O denunciante alega que se encontra prejudicado uma vez que está privado do uso do seu veículo, afirmando ainda que o empregado da E… de serviço lhe disse que só com o pagamento do valor de 60 € poderia libertar a viatura. Disse ainda que o veículo em questão foi abusivamente rebocado, pelo que declara desejar procedimento criminal contra a referida empresa”.

20.1.05

Como disse?

A ingenuidade, aliada à intenção de transparência, revela muitas das zonas escuras do sistema.

Numa certa comarca suburbana, um empresário da construção civil foi condenado a pena de prisão, por burlas aos seus clientes. Com a "colaboração" do director da cadeia local, passou todo o tempo de prisão em casa, como se nada se passasse. Não pagou as custas do processo e o Ministério Público pretendeu executar as quantias em dívida. Pediu a colaboração de força policial, para averiguar da existência de bens penhoráveis. Esta, respondeu que ao devedor “não lhe são conhecidos quaisquer bens que possam ser executáveis”. Além disso, juntou um auto de declarações tomadas ao devedor, que para o efeito se deslocou ao posto policial, onde manifestou que “tudo o que declara é estar a cumprir pena de prisão no estabelecimento prisional de YYY”.


14.1.05

Piadinha...

Gracejar com assuntos sérios nem sempre tem bons resultados. Esta história ocorreu num processo em que interveio o Sr. Dr. Miguel Leitão Jardim, do Funchal, que a fez chegar aqui.

Um estabelecimento de fotocópias processou um cliente por falta de pagamento de um trabalho de cópias em folhas A3; cerca de 560 folhas.
O cliente - réu não contestou, foi condenado e requerida a execução. Notificado para pagar ou nomear bens à penhora, respondeu, nomeando:
- “cerca de 560 folhas A3 aptas à reciclagem”.
A piada saiu-lhe cara, já que foi condenado por litigar de má fé e à sua dívida acresceu uma multa de igual valor.

13.1.05

Tempos modernos.

Os tempos modernos tornaram importantes coisas que no passado eram pequenos nadas do quotidiano. De seguida, transcreve-se o relatório final da investigação realizada num inquérito instaurado numa pequena comarca rural.

"Pelos elementos trazidos aos autos verifica-se que o queixoso estava bêbedo, por ter estado numa festa de casamento de um seu irmão e mais umas cervejas por outro lado. Por tal comportou-se como se fosse o dono do café; o seu legítimo proprietário não estava na disposição de o aturar e mandou-o sair, não tendo aquele obedecido. Foi levado para fora pela força e nessa ocasião o dono do estabelecimento deu-lhe um pontapé. Alguém terá chamado a ambulância, mas o queixoso não queria médico; queria concerteza mais cerveja. A testemunha, condutor da ambulância, disse que foi ao local e só não transportou o queixoso por este se ter negado a entrar.

O queixoso pretende ser indemnizado das agressões do dono do café."


7.1.05

Em casos simples a investigação criminal é frequentemente aligeirada. E ainda bem. Mas por vezes a coloquialidade do dia a dia vai longe demais.

O que a seguir se transcreve é o relatório de uma investigação realizada por um órgão de polícia criminal de uma certa comarca do Minho. O Magistrado do Ministério Público não teve dificuldade em perceber a situação, mas não conseguiu facilmente encontrar-lhe uma solução. Descubra o leitor os factos e o crime denunciado.

Resumo das diligências efectuadas. Foi ouvida a queixosa. Foi ouvido o arguido. Não foram ouvidas testemunhas porque não foram indicadas.
Resultados obtidos. A queixosa confirmou a queixa apresentada e declarou desejar procedimento criminal contra o seu marido arguido. O arguido disse que não foi só ele a destruir os objectos, pois que a sua mulher também danificou alguns.
Conclusões finais. Pelos elementos trazidos aos autos verifica-se que o casal se dá mal e quando se zangam atiram com os objectos que têm em casa um ao outro, danificando-os e desta vez nem o telefone escapou.
O inquiridor.
(assinatura ilegível).

3.1.05

A sensibilidade humana dos intervenientes judiciários, por vezes, sobrepõe-se ao rigor e ao distanciamento exigidos.

Auto de diligência para penhora, realizada por um oficial de justiça numa comarca rural do interior transmontano.

Ano de mil novecentos e noventa e XXXX, aos XX dias …, no lugar de XXXX, onde vim a fim de efectuar uma diligência de penhora, em autos de execução por custas, movida pelo Ministério Público contra F….
Não foi possível levar a efeito a penhora porque o referido executado não possui quaisquer bens, vivendo numa de vida de autêntica miséria.
Para constar se lavrou este auto, que vai ser devidamente assinado.
(assinatura ilegível)

1.1.05

A propósito da morosidade da Justiça.

Transcreve-se um ofício remetido por Juiz de Lisboa a outro do Porto, solicitando informação sobre uma carta precatória que não tinha ainda tido resposta.

Exmo. Sr.
Dr. Juiz de Direito
Tribunal XXXX do Porto

Lisboa, 8 de Março de 2000
A carta precatória nº XXXXX, nasceu no dia 25.02.1996.
Neste momento, embora um pouco tarde, não queria deixar de pedir a V.Exª - não o cumprimento da carta precatória, uma vez que certamente, isso iria dar muito trabalho aos funcionários desse tribunal -, que transmitisse à visada os meus cumprimentos pela passagem do seu quarto aniversário natalício.
Já agora, e dado o tempo que já passou, solicitava a V.Exª que me informasse do estado da deprecada, designadamente sobre se já anda sozinha, já fala, já conhece as pessoas e as cores, etc.
Desde já muito grato pela atenção dispendida.
O juiz de Direito.
(assinatura ilegível)