Onde se encontram histórias pouco sérias ocorridas (a sério!) nos tribunais. Este blog viveu, entre Dezembro de 2004 e Janeiro de 2006, das contribuições de quem o leu.

31.12.04

Os oficiais de justiça reclamam mais formação. Por vezes, as falhas na sua formação jurídica são responsáveis por lamentáveis "gaffes".

Ofício de notificação expedido na sequência de um despacho de arquivamento de um processo crime na fase de inquérito. Ocorreu numa comarca do interior do país.

Exmo. Sr.
Comandante da GNR de XXXX

22 de Outubro de XXXX
Rogo a V.Exª que seja notificado o arguido F…, residente em XXXX, de que por despacho de 15.10.XXXX, do Digno Agente do MºPº, e nos termos do Artigo 277º, nº 1 do CPP, foi ordenado o arquivamento dos autos, dado o crime ser de natureza cível (…).
Com os melhores cumprimentos.
(assinatura ilegível)

27.12.04

A informação policial, normalmente rigorosa, nem sempre consegue atingir a sua finalidade, de auxílio da máquina judicial

Ofício de força policial a um tribunal do norte do país, dando conta das diligências que efectuou para notificar um determinado cidadão.

Senhor Doutor XXXX no
Tribunal Judicial de XXXX

21.OUT.XX
Informação.
Reportando-me ao solicitado por V.Exª, informo que nas diligências efectuadas por pessoal desta XXX se averiguou e informa que não foi notificado F… em face de o mesmo residir em parte incerta. Mais se informa que o referido de vez em quando desloca-se a XXXX, onde tem uma amante e nessa ocasião quando se tenta contactar o mesmo não sai da residência da sua amante.
Com os melhores cumprimentos
(assinatura ilegível)

22.12.04

A Justiça não tem exercitado a sua vocação para a defesa dos direitos dos animais.

Informações prestadas por um oficial de justiça ao Magistrado titular de um determinado processo crime, num tribunal da grande Lisboa, na sequência de apreensões efectuadas.

Informação:
15 de Julho de XXXX
Algo consternado, cumpre-me informar que a canária amarela apreendida no processo à margem indicado foi, hoje e há poucos minutos agredida pelo melro, seu companheiro de cativeiro, e encontra-se já cadáver, jazendo quase desfeita sobre o fundo conspurcado da gaiola onde os seus restos mortais estão a ser devorados pelo próprio homicida, reinando na gaiola um ambiente macabro.
Para o que V.Exª tiver por conveniente, sentidamente presto esta informação.
(assinatura ilegível)

Despacho do Magistrado:
Consigno que verifiquei o crime exposto.
(data e assinatura ilegível)

Informação:
21 de Julho de XXXX
Informo que apareceu hoje morta a outra canária apreendida – de cor parda -, apesar dos cuidados possíveis tidos com a mesma, designadamente com alimentos e água, diariamente, a cargo do escriturário F… e a meu próprio, que custeei as despesas com a alimentação dos mesmos.
Para que V.Exª tome disso conhecimento, presto esta informação.
(assinatura ilegível)

Informação:
28 de Julho de XXXX
Informo V.Exª que foi encontrado morto esta manhã o melro que era o último sobrevivente da gaiola apreendida nos autos em epígrafe, que se encontram em investigação.
(assinatura ilegível)

17.12.04

Assim é que é! Assumir os seus actos de cabeça levantada!

Participação criminal entrada no serviços do Ministério Público de uma grande cidade.

Exmo. Sr.
Procurador da República
J…. , solteiro, maior, residente….,
Vem participar a V.Exª a seguinte ocorrência.
1 – O ora participante enviou a S. Exª o Sr. Presidente da República um fax, de que junta fotocópia.
2 – O ponto 3 desse fax, envolve um conteúdo altamente ofensivo da honra e consideração devida a um Presidente da República, com o que parece estar preenchido o tipo de crime previsto e punido no número 1 do Artigo 362º do Código Penal.
3 – Visto que dum crime público se trata, pelo que pode “quivis ex populo” proceder à respectiva denúncia, o ora participante adianta-se já confessando o a prática do mesmo, confissão essa que é, simultaneamente, uma denúncia.
Termos em que se aguarda do Ministério Público a actuação que, por lei, lhe cabe.
(assinatura conforme a identificação do supra identificado)

16.12.04

Síntese, rapidez e eficácia, dando verdadeiramente valor ao que importa.

Despacho de Magistrado do Ministério Público de comarca limítrofe do Porto, delegando a competência para determinado acto em órgão de polícia criminal.

“Ponderando, entre outros, o disposto nos artigos 1º, alíneas c), d), 55º, 56º, 241º a 245º, 248 a 253º, 257º, 259º, 263º, 270º, do Código de Processo Penal, o preceituado no artigo 3º, nº 1 alínea f) da Lei nº 47/86, DE 15/10 – cfr. tb. D.L. nº 295-A/90, de 21/9, artigo 2º, 4º e 5º, D.L. nº 15/93 de 23/1, artigo 57º (red. nº 81/95, de 22/4) – o exarado na Circular nº 8/87, da Procuradoria-Geral da República e a doutrina emanada do Acórdão da Relação de Lisboa de 21/6/1989 (in Col. Jur. Tomo III, 1989, pág. 171).
Considerando o determinado no provimento nº 1/95 (cfr. tb. Ofício Circular nº 1/88), bem como o despacho do Conselheiro Procurador-Geral da República conhecido por Ofício-Circular nº 5822-PGR, de 27/7/96, ordeno:
- Remeta o presente ofício/carta precatória aos órgãos de polícia criminal, territorialmente competentes, a quem se solicita o seu cumprimento, no prazo máximo de vinte dias.
7 de Janeiro de 1997
(assinatura ilegível)

15.12.04

Os novatos suscitam sempre um sorriso de simpatia, pela recordação que trazem daquilo que cada um de nós foi ou podia ter sido.

Assim aconteceu um dia, nos Juízos Criminais de Lisboa, onde se deslocou uma jornalista estagiária, para cobrir o seu primeiro julgamento. Quando a sessão estava prestes a iniciar-se, a novata perguntou para um colega que estava ao seu lado:
- Se ali está a Juiz, ali a Advogada de defesa e ali o Procurador, onde vai sentar-se o Ministério Público?


Os arguidos, normalmente, também são novatos e inexperientes nesse papel.

No mesmo Tribunal Criminal de Lisboa, um certo arguido estava a ser julgado por um crime de natureza económico-financeira. Na parte final do julgamento, a juiz fez-lhe perguntas sobre as suas posses e rendimentos. Tinha em vista dispor de informação que lhe permitisse fixar o montante da multa, se porventura viesse a impor-lhe uma pena desse tipo. Como é sabido, o valor concreto de cada dia de multa é fixado em função da situação económica e financeira do arguido.
Este, era pouco esperto e muito vaidoso. Não querendo prejudicar a imagem de empresário de sucesso que julgava ter, respondeu que não tinha salário fixo, havendo alturas em que ganhava muito dinheiro e outras em que ganhava menos.
A juiz, que precisava de dados concretos, provocou uma resposta concreta, perguntando:
- Ganha 1000, 2000, 5000 contos por mês?
O arguido, do alto da sua soberba, respondeu apenas que havia meses em que até ganhava muito mais.
Foi condenado na taxa diária máxima.


Porém, ser novato não é uma desgraça incontornável.

No decurso de uma busca, numa aldeia duma comarca rural de Trás-os-Montes, a GNR procurava uma arma de fogo com a qual se julgava ter sido praticado um homicídio. Presidia à diligência um Procurador-Adjunto que acabara de ser colocado na comarca, em primeira nomeação.
O dono da casa onde decorria a busca, suspeito do crime, já calculava que pudesse ser efectuada esta busca e, dirigindo-se ao novato Magistrado do Ministério Público, entregou-lhe uma velha e enferrujada pistola, dizendo-lhe que aquela era a única arma que havia em casa.
Temendo estar a ser enganado, o Procurador pediu a opinião do cabo da GNR que o acompanhava.
A resposta deste foi esclarecedora:
- Esta, mete medo a dois.
Mais tarde explicou que o segundo, destes dois, era aquele que supostamente iria disparar.

12.12.04

A rotina das burocracias e a mecânica do preenchimento dos formulários torna as mentes frias, insensíveis e insensatas.

Pedido de solicitação de exame forense a vítima de crime, remetido por um órgão de polícia criminal ao instituto de medicina legal de uma grande cidade portuguesa.

Ao serviço de exames médico-forenses.
Exame directo de : F…
Vítima do crime de : violação e agressão.
Ocorrido no dia : 2 de Junho de XXXX
Instrumento do crime : pénis.
4 de Junho de XXXX.
(assinatura ilegível)

6.12.04

Alguns juízes trabalham demais. Não lhes sobra tempo para se aperceberem das realidades que os rodeiam.

Esta história veio de um tribunal da zona periférica de Lisboa, onde prestava serviço um incansável juiz, que nada mais fazia para além de trabalhar.
No decurso de um julgamento, perguntou a uma testemunha que inquiria:
- Profissão ?
- Sou funcionário de placa no Aeroporto, Senhor Doutor.
- O que é isso, quis saber o juiz?
- Oriento os aviões que chegam, das pistas até às plataformas de estacionamento.
O Juiz não percebeu eu que se ocupava a testemunha e pediu mais explicações, que a testemunha deu, esclarecendo que ia no seu veículo automóvel ao encontro dos aviões que aterravam e depois guiava-os até ao local onde deveriam estacionar, para que os passageiros pudessem sair. Nesse local, saía do automóvel e, utilizando raquetes luminosas, orientava a manobra de imobilização.
- Escreva, disse o Juiz para o funcionário, "profissão: arrumador de aviões".